Meditação: Encontro com Deus e com o verdadeiro Eu
Transcrição de uma palestra de Dom Bede Griffiths sobre Meditação, em 1985
Transcrição de uma palestra do monge Bede Griffiths sobre Meditação, em 1985, na Austrália
O que as pessoas de hoje estão buscando acima de tudo é um método prático de oração e meditação. É por isso que milhares e milhares de pessoas vão à Índia todos os anos em busca de meditação — um caminho para Deus, pode-se dizer. Um dos fatos angustiantes que observamos dia após dia é que eu diria que quase 60% das pessoas que vêm ao nosso ashram são católicos ou outros cristãos que deixaram a Igreja. Eles deixam a Igreja para encontrar Deus. É um paradoxo hoje. De algum modo, a maneira como a fé é apresentada a eles nas escolas, nas igrejas paroquiais e assim por diante não responde às suas necessidades. Repetidamente, eles me dizem: “Até os 15 ou 16 anos eu ia à missa regularmente e me confessava — fazia todas as coisas certas, depois abandonei tudo.” Não por alguma razão sólida, mas por insatisfação. Não respondia às necessidades da pessoa em crescimento.
O que as pessoas buscam hoje é algo além da razão e da vontade. Eu coloco da seguinte forma: a palma da mão — os dedos representam as faculdades, os sentidos, os sentimentos, a imaginação, a razão e a vontade, e exercemos todas essas faculdades no dia a dia, no trabalho e na oração. Mas a meditação, no sentido indiano, é como os dedos que brotam da palma da mão — todas as faculdades vêm do centro da alma, e meditar é encontrar esse centro, sua pessoa interior. É isso que atrai as pessoas hoje, inclusive aquelas que perderam sua religião ou nunca tiveram uma. A palavra “Deus” é muito suspeita para muitas pessoas hoje. E “Cristo” também, há tanta controvérsia, tantas visões diferentes, que as pessoas ficam desiludidas. Mas todo mundo quer encontrar seu verdadeiro eu, encontrar sua identidade.
O método da meditação é te ensinar “Quem sou eu?” Esse é o grande método hindu. Como cristãos, precisamos estar conscientes disso. Eles não estão tão interessados em falar. Às vezes falam, até bastante, mas realmente ensinam pelo silêncio. As pessoas pensam: “Eu sou este corpo”, mas ao refletirem um pouco, percebem que esse não é o verdadeiro “eu”. Você tem sua pessoa interior, sua psique, seus desejos e medos, e para a maioria das pessoas, isso é tudo: corpo e psique. Para o hindu, além do corpo e da psique, está o espírito, ou o atman, ou o pneuma de São Paulo. São Paulo diz que o soma é o corpo, a psyche é a alma, e o pneuma é o espírito, e o espírito é o ponto onde você vai além do corpo, da mente e dos pensamentos, e se abre ao Espírito de Deus — e isso é meditação, e é isso que leva as pessoas à Índia.
Existem muitos métodos, mas eu diria que quase todo método válido visa te conduzir das suas faculdades — pensamentos, sentimentos, desejos, vontade — até seu centro, para experimentar a realidade interior. Eles chamam isso de Brahman ou Atman. Não pode ser nomeado. Você vai além das palavras. Você encontra o Espírito de Deus. Eu sempre cito São Paulo — “o Espírito de Deus dá testemunho com o nosso espírito de que somos filhos de Deus.” Nesse ponto, nosso espírito — que é o ponto mais fino da alma, onde ela se reduz a um ponto, um ponto de quietude — é onde o Espírito Santo encontra nosso espírito, e encontramos Deus.
Acredito que hoje as pessoas buscam esse encontro. Rituais externos não significam muito para elas. E grande parte da doutrina também não — claro que o ritual pode significar tudo, e a doutrina também. Mas, para muitas pessoas, isso não as toca, e elas querem experimentar a realidade — algo que as transforme por dentro. Temos experiências maravilhosas no ashram. Pessoas vêm e são totalmente transformadas. Uma vez que se abrem para esse tipo de oração e meditação, eu vi transformações completas — e elas voltam para a fé, para a missa, para a Bíblia e para uma vida espiritual genuína.
Acho que há uma fome mundial. Pessoas vêm de todos os cinco continentes e de pelo menos 50 países diferentes, todas buscando a mesma coisa. É uma onda. Está se espalhando por todo o mundo. As pessoas estão buscando essa experiência de Deus, de autorrealização, de realização de Deus. Algumas estão apenas procurando vagamente, sem saber exatamente o quê, mas às vezes começam a ver um sentido em suas vidas. Começam a perceber uma orientação em suas vidas. Há um despertar para a vida espiritual, onde não há mais acasos — você percebe que tudo tem um significado. É universal. Primeiro foram os jovens, mas agora são pessoas de todas as idades. Algo está despertando no mundo todo, conduzindo as pessoas a essa experiência mais profunda de Deus. É isso que as pessoas estão buscando.
E agora é preciso ensiná-las um método. Há vários centros hoje ensinando isso. Muitos de vocês devem conhecer o Padre Basil Pennington, da Abadia de Spencer, em Massachusetts. Curiosamente, eles fizeram um curso de Meditação Transcendental e desenvolveram isso na chamada “Oração Centrante”. Outro, menos conhecido, é o Padre John Main. Ele era um monge beneditino de Ealing. Lá ele começou a meditação cristã usando um mantra — seu mantra é Maranatha, que significa “Senhor, vem” em aramaico. Ele construiu todo um processo meditativo ao redor do mantra. É extremamente eficaz. Ele escreve a partir de uma experiência muito profunda.
No nosso ashram, praticamos a meditação cristã iogue. Para simplificar bastante, a ioga tradicional tem três aspectos. O primeiro é o asana, que é sentar-se. Isso é uma revolução para a maioria dos cristãos — não sabemos como sentar. A posição do corpo. Mas para um hindu, ou quase qualquer oriental, sentar é o principal. Eles dizem: se você sabe sentar corretamente, saberá meditar corretamente, porque o corpo afeta a mente. Se seu corpo está tenso, sua mente estará tensa; se seu corpo está relaxado e em harmonia física, ajudará a mente a se relaxar e entrar em harmonia. Então, primeiro ensinam um método de sentar. A posição deve ser relaxada e firme — sempre enfatizam o relaxamento. Um dos melhores asanas é simplesmente deitar no chão e relaxar conscientemente todos os músculos do corpo. Isso é muito eficaz. A ioga é uma disciplina maravilhosa para o corpo. Nunca se força nada. É um movimento sustentado, tranquilo, rítmico. Mínimo esforço, máximo efeito — gradualmente, você consegue relaxar todos os músculos. Exercícios de ioga podem te ajudar a encontrar uma boa posição para oração e meditação. Sentar-se ereto numa cadeira é perfeitamente aceitável; não precisa sentar no chão.
A próxima coisa é a respiração, o pranayama. Existem duas abordagens para a respiração. O método iogue é controlar a respiração. A maioria das pessoas não respira adequadamente — respiram com o peito, mas é preciso respirar com o abdômen, a parte inferior dos pulmões. Você pode testar isso colocando a mão e respirando fundo — você sentirá o abdômen se expandindo. É preciso encher todo o pulmão. Fisicamente é muito saudável, mas psicologicamente também abre todo o ritmo do corpo. Muitas pessoas fazem cinco minutos de pranayama antes de meditar — isso faz parte da meditação.
O método budista, que muitas pessoas seguem, especialmente o Vipassana, é simplesmente observar a própria respiração. Você apenas observa sua respiração. Parece algo tolo, mas tem efeitos maravilhosos. Há um birmanês que dá cursos de Vipassana e, segundo dizem, já treinou 60.000 pessoas. Muitos padres, freiras e irmãos já participaram e acharam muito útil. É bem intenso. São 10 dias, 10 horas de meditação por dia, e você não pode fumar, beber, ler, escrever ou fazer qualquer outra coisa além de meditar. Mas todos dizem que, gradualmente, acalma o corpo e silencia a mente. Para todos os orientais, é esse silenciar da mente que é tão importante. Ioga é a cessação dos movimentos da mente. A mente vagueia por todo lado, e você continua voltando à respiração até que tudo fique quieto e tranquilo. E todos dizem que se alcança uma paz interior maravilhosa — é algo realmente psicológico, muito profundo à sua maneira. Então, a segunda coisa é a respiração.
Agora, a terceira coisa — que é a chave de tudo — é o mantra, a palavra sagrada. Usamos a Oração de Jesus, a tradicional oração cristã da Igreja Ortodoxa, que hoje está se espalhando por todo lugar. Na forma tradicional, é: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador.” Algumas pessoas acham longa demais e ajustam, mas essencialmente é elevar o coração e a mente a Deus. O Padre Amaldas desenvolveu seu próprio mantra, que é “Jesu Abba” — “Jesu” na inspiração, “Abba” — Pai — na expiração. Você inspira todo mundo e tudo, com todas as dores e problemas, e depois entrega tudo ao Pai. Então você se senta, respira e repete o mantra tranquilamente. Seus pensamentos começam a divagar, então você volta ao mantra; eles divagam de novo, e você volta ao mantra, até que, gradualmente, a quietude chega, a mente se aquieta. E quando a mente está em silêncio, o centro mais profundo emerge. Você não pode produzir isso. Isso é contemplação de verdade. Você não pode fabricá-la, mas precisa chegar ao ponto do espírito, onde você está aberto a Deus. Então você para os pensamentos, e para o ego. O centro da psique é o ego. Organizamos toda nossa vida desde a infância a partir do ego. Precisamos fazer isso, mas depois é preciso ir além. Mas a maioria das pessoas não vai, elas param no ego. Todos os conflitos vêm do conflito entre egos. A contemplação é ir além do ego, deixar o ego morrer, se quiser. Isso abre ao Espírito Santo, a Deus.
Eu não sou plenamente humano, não sou aquilo que fui chamado a ser, exceto em Deus, em Cristo. É uma ilusão pensar que o ser humano é apenas corpo e alma. O corpo e a alma são instrumentos totalmente sob a orientação do espírito interior. É na meditação e na oração genuína que chegamos a essa pessoa interior, essa realidade interior, e nos abrimos ao transcendente. Muitas pessoas vêm ao nosso ashram. Algumas são agnósticas, acredito, algumas até ateias, mas todas estão buscando um significado mais profundo para a vida, e o descobrem quando descobrem esse centro. Isso tem uma mensagem universal — como descobrir sua realidade interior profunda, o “eu” que está além do ego.
Então nos sentamos, respiramos, repetimos o mantra, até que a mente se acalme e nos tornemos conscientes da presença de Deus. Eu chamo isso de “prática da presença de Deus”, e seu valor está especialmente nisto: você não pode orar com palavras o dia todo, e não pode pensar especificamente em Deus o dia todo, mas pode estar consciente da presença de Deus em tudo o que faz. Não é fácil em todas as situações, mas é possível em todas as situações, então isso é uma prática da presença de Deus.
E o valor disso, particularmente, é este: você não pode estar rezando com palavras o dia todo, e não pode estar pensando especificamente em Deus o dia todo, mas pode estar consciente da presença de Deus, seja o que for que esteja fazendo. Não é fácil em toda situação, mas é possível em toda situação.
Portanto, isso é um ponto de partida.
A meditação começa com a manhã, de preferência, e depois você faz isso durante o dia, algumas vezes se puder. Mas, mesmo que você não consiga repetir o mantra em todos os momentos, você pode manter essa consciência da presença de Deus.
Você começa a ver todas as coisas de uma maneira diferente – a criação se torna viva, as pessoas se tornam diferentes. Você vê Deus nelas, você vê o Cristo nelas. Você vê o mundo como criação de Deus, e não apenas como um objeto de uso ou exploração.
Essa mudança de consciência é o que chamamos de conversão.
Conversão não é apenas mudar de religião, ou começar a ir à missa.
Conversão é uma mudança total de consciência, de uma mente centrada em si mesma para uma mente centrada em Deus, do ego para o espírito.
E a meditação é um método muito simples e muito eficaz de facilitar essa conversão.
Publicado originalmente em inglês, em The Bede Griffiths Sangha Newsletter. Tradução nossa.
Dom Bede Griffiths (1906–1993) foi um monge beneditino e místico inglês que dedicou grande parte da vida a integrar a espiritualidade cristã com as tradições do Oriente, especialmente o hinduísmo. Nascido como Alan Richard Griffiths, estudou literatura em Oxford, onde foi amigo de C.S. Lewis. Depois de uma juventude marcada pela busca espiritual, converteu-se ao cristianismo e entrou para a vida monástica na Abadia de Prinknash, na Inglaterra.
Nos anos 1950, sentiu o chamado para viver na Índia. Lá, tornou-se uma figura central no diálogo inter-religioso, morando em ashrams e vestindo-se como um sannyasi (renunciante hindu). Passou os últimos anos de sua vida no Shantivanam, um ashram beneditino no sul da Índia, onde desenvolveu uma espiritualidade cristã profundamente influenciada pelas práticas contemplativas orientais. Ele enfatizava a meditação como ponte entre as tradições, vendo nela uma forma universal de abrir-se à presença de Deus.
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